Sabe bom velhinho, preciso confessar, hoje amanheci me sentindo a pior das criaturas, achava que nada tava certo, que o mundo era um grande inimigo pra mim, juro, tava me sentindo assim um desabrigado, amargurado, desmilinguido. Então resolvi sair da minha torre e pisar no chão. E sabe de uma coisa, cada esquina me abria os olhos e me fazia ficar um pouco envergonhado. O homem na esquina fazendo arabescos com as mãos tateando o vazio me fez entender que os meus olhos cansados, ainda são um grande milagre, olhei para o meu jeans que dá sinais de envelhecimento e as pernas feridas daquele senhor que me puxava pelo braço pedindo alguma coisa pra comer, me fez ver que meu surrado jeans ainda me aquece e protege muito bem. Hoje quando desci pelas escadas do prédio senti dor nas articulações e achei que esta dor era imensa, a MAIOR de todas e aquele homem sem pernas na esquina me fez agradecer pela dor nas pernas, pelas pernas que tenho, que ainda me levam para onde eu quiser. A tontura do dia anterior gerada por uma comida indigesta me fez sentir medo da morte no entanto vejo que numa das ladeiras da minha cidade, um homem tenta se equilibrar na descida, a tontura vem da cachaça, o estômago está vazio, o fígado daquele homem já não funciona bem. E dei graças a Deus porque minha tontura pode ser curada com chá de boldo e a daquele homem talvez nunca seja curada. Amanheci hoje senhor pensando nas contas a pagar e no entanto aquela senhora de cabelos grisalhos da escada da Igreja do Carmo, se desmancha em sorriso com uma moeda de cincoenta centavos, diante do nada de minutos atrás.
Confesso que resolvi escrever para pedir alguma coisa, mas vejo que tenho tanto, diante de tantos que nada têm.
Só pra não dizer que não pedi alguma coisa, peço que o senhor presentei aqueles que têm tudo, com só mais algumas coisas. Não tô ficando louco não, eles precisam ganhar, ganhar sentimentos papai noel, para que a riqueza deles não provoque a cegueira que os impede de ver quem precisa, que os ouvidos possam funcionar melhor para ouvir o clamor dos que sofrem.
obrigado.